Dicas Trabalhistas

OS LIMITES DA TERCEIRIZAÇÃO APÓS O ADVENTO DAS LEIS 13.429 DE 2017 E 13.467 DE 2017

INTRODUÇÃO

 

 

O título do artigo reflete uma dúvida que, nos últimos meses, aflige muitos operadores do Direito e inúmeros profissionais da área de gestão, além, evidentemente, de empregados e empregadores. Certamente muitos advogados e advogadas já foram questionados por seus clientes se, desde as recentes alterações legislativas, podem “terceirizar tudo”.

A confusão decorre da desinformação da grande maioria da população acerca das novidades trazidas com as Leis 13.429/2017 e 13.467/2017 – respectivamente conhecidas como “Lei da terceirização” e Lei da reforma trabalhista – pois se tem divulgado erroneamente que, desde tais alterações normativas, os empregadores estão franqueados a dispensar todos seus empregados e contratar prestadoras de serviços para, com isso, reduzir os custos e incrementar sua lucratividade[1].

Em face desse cenário de informações equivocadas e incompletas, este breve artigo tem como escopo contribuir com o debate, mas sem qualquer pretensão de esgotar o tema, na tentativa de esclarecer os profissionais do Direito, trabalhadores e empregados sobre os limites da terceirização no Brasil nos dias atuais.

Até março de 2017, não havia no ordenamento jurídico pátrio um marco regulatório da terceirização, sendo que os parâmetros de licitude da terceirização adotados pela jurisprudência e pela doutrina eram aqueles consagrados na Súmula 331 do TST[2].

Ocorre que, em 30/03/2017, repentinamente, foi aprovada a Lei 13.429/2017, alterando de modo importante os parâmetros de legalidade da terceirização ao inserir normas sobre a matéria no bojo da Lei 6.019/74. Não bastasse isso, poucos meses mais tarde, ainda em 2017, a “reforma trabalhista” foi aprovada com urgência incomum, modificando as ainda novas regras aplicáveis aos contratos e prestação de serviços.

Uma das principais inovações sobre terceirização – senão a mais impactante – tratada pelas leis, envolve a legalidade da terceirização em atividades principais.

No primeiro momento, a Lei 13.429 incluiu o artigo 4º-A, estabelecendo que (grifos nossos):

 

Art. 4º-A. Empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos.

  • A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços.”

 

Ocorre que parcela da doutrina [3] [4], ao interpretar o caput do artigo 4o-A com a redação dada pela Lei 13.429/2017, defendeu que a norma limitava a terceirização às atividades-meio e vedando a terceirização em atividades-fim. Assim, ante a polissemia da norma, dando azo a interpretações diversas, o legislador, alterou novamente a Lei 6.019/74, explicitando de modo direto a autorização de terceirização em todas as atividades em mais de um dispositivo.

Com efeito, o caput do artigo 4º-A, assim como o caput do artigo 4º-C e o caput do artigo 5º-A, com as redações dadas pela Lei da Reforma Trabalhista, reconhecem, de modo claro, a validade da terceirização em todas as atividades, inclusive na atividade principal da empresa contratante (grifos nossos):

 

Art. 4o-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.

(…)

Art. 4o-C. São asseguradas aos empregados da empresa prestadora de serviços a que se refere o art. 4o-A desta Lei, quando e enquanto os serviços, que podem ser de qualquer uma das atividades da contratante, forem executados nas dependências da tomadora, as mesmas condições:

(…)

Art. 5o-A. Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços relacionados a quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal.”

 

 

De fato, o legislador expressamente autorizou a contratação de empresas prestadoras de serviços para fornecimento de quaisquer atividades, até mesmo as atividades principais da contratante. Merece destaque, também que o artigo 5º-A, § 2º, da Lei 6.019/74 prevê a licitude da terceirização interna e externa; outrossim, o artigo 4º-A, § 1º, legitima a denominada “quarteirização” ou terceirização em cadeia.

Paralelamente, o artigo 5º-A, § 5º, impõe, como regra, a responsabilidade subsidiária da tomadora pelos débitos trabalhistas e previdenciários.[5]

 

 

  1. DOS REQUISITOS DE VALIDADE DA TERCEIRIZAÇÃO

 

 

Ao contrário do que os principais meios de comunicação têm incorretamente divulgado, o permissivo legal da terceirização em atividades-fim não significa que os empregadores passaram ter passe livre para “contratar trabalhadores terceirizados” por intermédio de prestadoras de serviços.

Conforme se demonstrará a seguir, embora o ordenamento jurídico tenha passado a admitir a terceirização em toda e qualquer atividade com o advento da Lei 13.467/2017,  também fixou critérios mais rígidos para a validade do contrato de prestação de serviços.

Nessa esteira, é de extrema importância ressaltar e divulgar que, apesar de ser possível a terceirização das atividades-fim da contratante, existe norma expressa no artigo 4o-A, § 1º, da Lei 6.019/74, que atribui à prestadora de serviços a admissão a remuneração e a direção dos serviços dos trabalhadores, in verbis:

 

Art. 4º-A (…)

  • 1oA empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços.”

 

Analisando por outro prisma, é forçoso concluir que, ao estabelecer que a prestadora de serviços dirige o labor do trabalhador, o aludido artigo assenta que o trabalhador se subordina exclusivamente à prestadora de serviços. Vale dizer, a lei veda a subordinação direta entre tomadora de serviços e trabalhador, impedindo, desse modo, que a tomadora de serviços lance mão da terceirização como meio de intermediação de mão de obra.

Previsão legal essa que se revela em absoluta consonância com a ordem constitucional, cujo núcleo axiológico funda-se na proteção e na promoção da dignidade humana, além de ter como princípios fundantes também os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa[6]. Igualmente, a vedação à intermediação de mão de obra reflete o princípio de que o trabalho e o trabalhador não são mercadorias e, portanto, não podem ser tratados como tais[7].

Nesse ponto específico, percebe-se que a nova legislação seguiu a jurisprudência do TST consolidada no item I da Súmula 331, de acordo com a qual é requisito de validade da terceirização a inexistência de subordinação direta com o tomador de serviços[8].

Surge, então, uma questão instigante: é possível a contratação empresa de prestação de serviços para atuar nas atividades principais da tomadora sem que esta exerça poder diretivo sobre os trabalhadores? Muito embora tal hipótese causa estranhamento, nos parece, em tese, possível. Em tais hipóteses, diante da vedação de subordinação direta com os trabalhadores, não poderia a tomadora dos serviços fiscalizar o labor dos empregados da prestadora de serviços ou interferir no modo de execução dos trabalhos. Ou seja, a tomadora de serviços que optar por terceirizar, inclusive sua atividade-fim, terá que fazê-lo sem exercer controle sobre o processo produtivo.

Outros dois requisitos de validade da terceirização intimamente relacionados com o primeiro – inexistência de subordinação direta –  estão previstos no caput do artigo 4-A da Lei 6.019/74. De acordo com o dispositivo legal, o qual procura definir o conceito de contrato de prestação de serviços, a terceirização pressupõe a efetiva transferência das atividades à prestadora de serviços, que deve ter capacidade econômica compatível com a execução dos serviços.

 

Art. 4o-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.” (grifos nossos)

 

Assim, para que a terceirização se revele legítima, deve a tomadora delegar a execução dos serviços à empresa prestadora, a qual, por sua vez, precisa ter capacidade econômica e autonomia suficientes para concretamente realizar os serviços contratados.

Aqui, novamente, a lei reforça a vedação de intermediação de mão de obra, pois, ao estabelecer como elemento essencial da terceirização válida a transferência efetiva das atividades, impede que os tomadores de serviços empreguem a terceirização como forma de subcontratação de mão de obra. Em outras palavras, não se permite a contratação de empregados por interposta pessoa; somente se admite a terceirização de atividades, com a delegação de execução dos serviços à prestadora de serviços, a qual deve ter know-how, autonomia e condições financeiras compatíveis com os serviços contratados.

Acerca do tema, frisa-se que os Enunciados 77 e 93 da 2a Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho promovida pela Anamatra em 2017, consagram entendimento no mesmo sentido (grifos nossos):

 

Enunciado 77: Terceirização: limites de legalidade: A validade do contrato de prestação de serviços previsto no artigo 4º-a da lei 6.019/1974 sujeita-se ao cumprimento dos seguintes requisitos: i – efetiva transferência da execução de atividades a uma empresa prestadora de serviços, como objeto contratual; ii – execução autônoma da atividade pela empresa prestadora, nos limites do contrato de prestação de serviço; iii – capacidade econômica da empresa prestadora, compatível com a execução do contrato. A ausência de qualquer desses requisitos configura intermediação ilícita de mão de obra (art. 9º da CLT) e acarreta o reconhecimento de vínculo de emprego entre os trabalhadores intermediados e a empresa tomadora do serviço.”

 

Enunciado 93: Contrato de prestação de serviços. Requisitos de validade. Efetiva transferência da execução da atividade Contrato de prestação de serviço. Requisito de validade: efetiva transferência da execução da atividade. A transferência da execução da atividade por meio de contrato de prestação de serviço, na forma do art. 4º-a da lei 6.019/1974, com redação conferida pela lei 13.467/2017, pressupõe autonomia formal, administrativa, organizacional, finalística e operacional da empresa contratada, à qual cabe exercer com exclusividade o controle do processo de produção da atividade, sem interferência da contratante, mera credora do serviço como resultado útil, pronto e acabado. Configura fraude ao regime de emprego o uso de contrato de prestação de serviço para transferência de vínculos formais de emprego à empresa contratada, sem efetiva transferência da execução da atividade.”

 

Na mesma trilha, foi esse o entendimento consubstanciado no enunciado 3 do grupo, itens I e II, 3 do Simpósio promovido pelo TRT da 15a Região e pela Esmat 15[9], a seguir transcrito (grifo nosso):

 

3) Terceirização. Limites. Requisitos.

I – subcontratação de atividade e não locação de força
de trabalho. A terceirização autorizada pelas leis nº 13.429/2017 e
nº 13.467/2017 só pode ser tomada no sentido de subcontratação para a
realização de uma atividade especializada e não para ampla e irrestrita
locação de força de trabalho
.

II – Requisitos: i – efetiva transferência da execução de atividades; ii –
execução autônoma da atividade pela empresa prestadora; iii –
capacidade econômica da empresa prestadora. A ausência de qualquer
desses requisitos configura intermediação ilícita de mão de obra (art. 9º da CLT) e acarreta o reconhecimento de vínculo de emprego com empresa tomadora do serviço. (…)”

 

Conforme já mencionado, o artigo 4o-A, caput, exige também a capacidade financeira da empresa prestadora de serviços como pressuposto de validade, sendo que a falta de tal requisito importa na nulidade da terceirização, possibilitando, por conseguinte,  o reconhecimento de vínculo de emprego diretamente com a tomadora dos serviços.

Conforme argumenta o Professor Homero Batista, “Terceirizar serviços para empresas sem capacidade financeira compatível com sua execução já desafiava a lógica, agora, desafia o texto legal. Será considerada terceirização ilegal.” [10]

A obrigatoriedade da capacidade econômica da empresa de prestação de serviços, compatível com a execução dos serviços por ela prestados, acarreta uma importantíssima obrigação ao tomador de serviços, uma vez que impõe a este o dever de verificar na contratação, bem como fiscalizar ao longo de todo o contrato, se a empresa prestadora dos serviços preenche o requisito de validade em análise.

Pode-se afirmar, portanto, que a partir da entrada em vigor da Lei da Reforma Trabalhista, 11/11/2017, todas as tomadoras de serviços são obrigadas, por força de lei, a fiscalizar se suas prestadoras de serviços mantêm capacidade financeira suficiente para cumprimento do contrato firmado entre elas.

Isso equivale dizer que, atualmente, as tomadoras têm que verificar se as prestadoras de serviços cumprem as obrigações sociais, já que o descumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias básicas evidencia a falta de idoneidade financeira das prestadoras.

Caso as tomadoras de serviços descumpram tal obrigação extraída do artigo 4o, caput, assumem o risco de terem reconhecidos vínculos de emprego diretamente com os trabalhadores.

Acreditamos e esperamos que o requisito de capacidade financeira das prestadoras – se efetivamente fiscalizado pelas tomadoras e se for considerado pela Justiça do Trabalho em suas decisões – poderá minimizar os efeitos sociais danosos que a terceirização notoriamente acarreta.

Isso porque, com a escolha mais criteriosa das empresas prestadoras de serviços e a fiscalização por parte das tomadoras ao longo dos contratos, tende-se a se delinear uma seleção natural entre as prestadoras, inviabilizando-se a subsistência daquelas sem lastro patrimonial e financeiro para arcarem com seus haveres trabalhistas ou mesmo daquelas que reiteradamente descumprem a legislação social.

Da necessidade de capacidade financeira compatível também decorre outra consequência relevante, mas no âmbito do ônus probatório. Caso a empresa prestadora de serviços descumpra seus haveres trabalhistas mais triviais, tais como recolhimento de contribuições previdenciárias e FGTS ou pagamento em dia dos salários, presume-se, a partir das regras de experiência comum, que ela não tem idoneidade financeira.

Assim, cabe à tomadora de serviços desincumbir-se do ônus probatório,  demonstrando que efetivamente fiscalizou o cumprimento das obrigações trabalhistas pela prestadora e, também, que esta preenchia o requisito de idoneidade financeira na época da contratação e ao longo do contrato, em consonância com o novo § 1º do artigo 818 da CLT, sob pena de, não se desvencilhando do encargo probatório, se considerar nula a terceirização.

Sobre a matéria, registram-se os enunciados 78, 79, 96 e 97 da 2a Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho da Anamatra (grifos nossos):

 

Enunciado 78: Terceirização: capacidade econômica. A capacidade econômica da empresa prestadora de serviços, compatível com a execução do contrato, nos termos do art. 4º-a da lei 6.019/1974, deve ser aferida pela contratante no ato da contratação e no curso do contrato, e não se restringe à observância do capital social mínimo exigido pelo art. 4º-b, inciso III, que é requisito de funcionamento e que deve estar integralizado. Consiste, mais, na situação econômica positiva para cumprir todos os compromissos decorrentes da atividade contratada, pressupondo: (a) pactuação de preço do serviço compatível com os custos operacionais (comerciais, trabalhistas, previdenciários, tributários etc.); e (b) inexistência de passivo comercial, trabalhista, previdenciário e/ou fiscal, decorrente de outro(s) contrato(s), que constitua risco ao adimplemento contratual.”

 

Enunciado 79: a perda da capacidade econômica da empresa prestadora invalida o contrato de prestação de serviços e caracteriza vínculo de emprego entre os trabalhadores intermediados e a empresa contratante, caso a contratante não adote posturas para preservar o adimplemento contratual.”

 

Enunciado 96: Terceirização. Inadimplemento de verbas trabalhistas. Reconhecimento direto do vínculo com a contratante. O inadimplemento das verbas trabalhistas por parte da empresa prestadora de serviços revela sua incapacidade econômica para a execução dos serviços (art. 4º-a da lei 6.019/74) e autoriza o consequente reconhecimento do vínculo diretamente com a contratante.”

 

Enunciado 97: Terceirização. Capacidade econômica da prestadora de serviços. Requisito de validade do negócio jurídico.  O inadimplemento das obrigações trabalhistas pela empresa prestadora de serviços atrai para a empresa tomadora de serviços o ônus da prova da capacidade econômica da primeira. Inteligência do artigo 818, § 1º, da CLT.

 

 

Além dos requisitos de validade já tratados, os artigos 5º-C e 5º-D,  da Lei 6.019/74 estabelecem cláusulas de barreira para o contrato de prestação de serviços.

O artigo 5º-C proíbe que se contrate empresa de prestação de serviços cujos titulares ou sócios tenham prestado serviços à tomadora, como empregados ou não empregados, nos últimos dezoito meses, exceto se os sócios ou titulares forem aposentados.

Por sua vez, o artigo 5º-D proíbe que ex-empregados da tomadora de serviços, que tenham sido dispensados, prestem serviços em prol da tomadora, nos dezoito meses seguintes ao desligamento, como empregados de prestadoras de serviços.

Tais cláusulas de barreira visam obstar que as empresas substituam seus empregados por empresas prestadoras de serviços ou mesmo pela “pejotização”, criando o legislador duas presunções absolutas de fraude da terceirização quando violados os artigos 5º-C e 5º-D. [11]

 

 

  1. CONSEQUÊNCIAS DO DESCUMPRIMENTO DOS REQUISITOS DE VALIDADE

 

 

Passamos, agora, ao exame das consequências jurídicas dos descumprimentos dos requisitos de validade.

Conquanto o artigo 4º-A, § 2º, da Lei 6.019/74 preceitue que “não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante”, é óbvio que a aludida norma não impede o reconhecimento de vínculo de emprego diretamente com a tomadora de serviços em casos de fraudes.

O referido artigo deve ser interpretado à luz do princípio da primazia da realidade e em conjunto com os artigos 9º, 2º e 3º da CLT. Portanto, se constatados afronta aos pressupostos de validade da terceirização e o preenchimento dos requisitos dos artigos 2º e 3º da CLT, é imperativo o reconhecimento do vínculo entre o trabalhador e a empresa tomadora de serviços.

Aliás, vale lembrar que o artigo 442, parágrafo único, da CLT[12], que versa sobre cooperativas de trabalho, tem previsão semelhante ao 4º-A, § 2º, sendo certo que a jurisprudência e a doutrina são uníssonas no sentido de se declarar o vínculo de emprego em casos de fraudes.

Destarte, caso se constate o descumprimento dos requisitos de validade da terceirização e se estiverem presentes os pressupostos prescritos nos artigos 2o e 3º da CLT,  restará configurado o vínculo de emprego entre trabalhador e empresa tomadora de serviços.

Não é outra, senão essa a inteligência da Proposta n. 2 da Comissão 8 , aprovada na 1a Jornada sobre a Reforma Trabalhista promovida pelo TRT da 4a Região:

 

Proposta 2: Terceirização. Formação do vínculo de emprego com o tomador. O art. 4-a da lei 6019/74 não impede o reconhecimento do vínculo de emprego quando presentes os requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT.”

 

Ademais, como corolário lógico do reconhecimento do vínculo com a tomadora de serviços, podem decorrer também outros encargos às tomadoras, tais como equiparação salarial e concessão de benefícios convencionais.

 

 

  1. CONCLUSÃO

 

 

A partir dos argumentos expostos, podemos concluir, em suma, que, diferentemente do que tem sido propalado por parte dos grandes meios de imprensa, as inovações trazidas pelas Leis 13.429/2017 e 13.467/2017 não possibilitam a terceirização irrestrita.

Apesar de a lei permitir a contratação de prestadoras de serviços em todas as atividades, inclusive das atividades principais das tomadoras, a lei também prescreve os seguintes requisitos de validade da terceirização, tornando ainda mais rígidos os parâmetros de licitude da terceirização:

  1. ausência de subordinação direta entre o trabalhador e a tomadora dos serviços; ou seja, a terceirização não pode ser utilizada como instrumento de intermediação de mão de obra;
  2. efetiva transferência das atividades à prestadora de serviços à prestadora, a qual deve ter condições de realizar com autonomia os serviços contratados;
  3. capacidade econômica da prestadora, compatível com a execução dos serviços, tanto no momento da contratação, quanto ao longo de toda a relação contratual entre as empresas, o que impõe à tomadora de serviços a obrigação de fiscalização quanto ao cumprimento das obrigações sociais por parte da contratada;
  4. observância das cláusulas de barreira estabelecidas nos artigos 5º-C e 5º-D, da Lei 6.019/74.

No que tange o requisito apontado a alínea “c”, frisa-se que, caso a empresa prestadora de serviços não satisfaça suas incumbências sociais mais comezinhas, tais como recolhimento de contribuições previdenciárias e FGTS ou pagamento em dia dos salários, presume-se, como consequência lógica,  sua falta de idoneidade financeira. Desse modo, em uma reclamação trabalhista, caberia à tomadora de serviços se desincumbir do ônus probatório de demonstrar que cumpriu sua obrigação fiscalizatória e que a prestadora de serviços preenchia o requisito de idoneidade financeira, em consonância com o novo § 1º do artigo 818 da CLT.

Portanto, a validade da terceirização condiciona-se à coexistência de todos os requisitos de validade acima referidos, sendo certo que o descumprimento de qualquer deles configura a ilicitude da terceirização e, como decorrência, possibilita o reconhecimento de vínculo de emprego diretamente com a tomadora de serviços caso estejam presentes os requisitos da relação de emprego, fazendo o trabalhador jus a outros direitos decorrentes, tais como a equiparação salarial e benefícios previstos em instrumentos normativos.

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

 

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CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do Trabalho. 14ª ed.rev, atual. e ampl.. São Paulo: Método, 2017.

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ESMAT XV – Escola Associativa dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15a Região. Propostas de Avaliações Preliminares sobre a Lei 13.467/2017, Reforma Trabalhista – Simpósio Reforma Trabalhista e Justiça do Trabalho: Desafios e Perspectivas. Disponível em <http://www.amatra15.org.br/uploads/artigos/avaliacoes-preliminares.pdf>. Acesso em 05 de março de 2018.

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[1]  Alguns exemplos de notícias equivocadas ou incompletas publicadas em grandes meios de comunicação podem ser constatadas em: https://www.uol/economia/especiais/terceirizacao.htm#terceirizacao, https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2017/03/23/dez-perguntas-para-entender-o-que-e-terceirizacao-e-como-ela-afeta-sua-vida.htm, http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/03/1869280-confira-11-perguntas-sobre-o-projeto-de-terceirizacao-aprovado-na-camara.shtml, http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/08/1906655-empresas-buscam-substituir-mao-de-obra-por-terceirizados-e-autonomos.shtml, http://economia.ig.com.br/2017-03-23/lei-terceirizacao.html.

 

 

[2]   Súmula nº 331 do TST: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

[3]   OLIVEIRA, Alexandre Nery de. Terceirização segundo a Lei nº 6.019/1974 com a redação da Lei nº 13.429/2017. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5054, 3 maio 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/57460>. Acesso em: 5 de março de 2018.

[4]   TOLEDO FILHO, Manoel Carlos. Nova lei impede terceirização permanente da atividade-fim. Justificando. Disponível em: <http://justificando.cartacapital.com.br/2017/04/05/nova-lei-impede-terceirizacao-permanente-da-atividade-fim/>. Acesso em: 5 de março de 2018.

[5]   Apesar de, em regra, a responsabilidade da tomadora ser subsidiária, a interpretação dos artigos 4º-C, II, 5º -A, § 3º, da Lei 6.019/74, combinados com os artigos 223-E da CLT, assim como os 927 e 942, ambos do Código Civil, nos leva a concluir que, em matéria de saúde, segurança e higiene do trabalho – inclusive no tocante aos adicionais de insalubridade e periculosidade –  o tomador de serviços responde solidariamente.

[6]   “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…) III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”.

[7]   O item I do Anexo da Constituição da OIT (Declaração de Filadélfia), ao reafirmar os princípios fundamentais da organização, reconhece explicitamente que “o trabalho não é uma mercadoria”. Da mesma forma, o artigo 427 do Tratado de Versalhes (1919) prega que o trabalho não pode ser considerado simplesmente como uma mercadoria ou objeto de comércio.

[8]   Em que pese entendermos que, atualmente, somente a subordinação direta é refutada pelo legislador em razão da possibilidade de terceirização na atividade principal da tomadora, é importante lembrar que existe vertente doutrinária sustentando que o artigo 4º-A, § 1º, da Lei 6.019/74 não admite a subordinação pessoal ou estrutural com a tomadora. Tal entendimento prevaleceu na 2a Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho promovida pela Anamatra, e está estampado no enunciado 94, in verbis: Enunciado 94: Contrato de prestação de serviço. Requisito de validade: (…) A presença de subordinação pessoal ou estrutural de trabalhador intermediado em relação à empresa contratante descaracteriza a prestação de serviço, ensejando reconhecimento de vínculo de emprego com o tomador dos serviços (art. 9º da CLT).”

[9]    ESMAT 15 – Escola Associativa dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15a Região.

[10]  DA SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à Reforma Trabalhista. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2017,  p. 190.

[11]  DA SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à Reforma Trabalhista. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 017,  p. 190.

[12]  Art. 442, parágrafo único, da CLT: Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela.

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