Dicas Trabalhistas

ASPECTOS PROCESSUAIS DA REFORMA TRABALHISTA: GRATUIDADE E ACESSO À JUSTIÇA

Autora: Bárbara Rosa Moncosso Azevedo, Advogada

  1. A Gratuidade de Justiça e o Acesso

 

A reforma trabalhista brasileira, realizada pela Lei 13.467 de 13 de julho de 2017, trouxe profundas mudanças nas relações de trabalho e no processo laboral. Iniciou tímida na Câmara dos Deputados, em 23/12/2016, com o total de 21 alterações e revogações na Consolidação das Leis do Trabalho e na Lei do Trabalho Temporário (Lei nº 6.019/74). Contudo, no decorrer da tramitação foi ganhando corpo e em pouco mais de seis meses foi aprovada e promulgada com surpreendentes 179 alterações de artigos entre acréscimos, revogações e alterações. Assim, a Lei 13.467/17 foi aprovada em tempo exíguo, sem o amplo debate junto à sociedade civil e jurídica, com inúmeras lacunas e distanciada dos princípios do Estado Social e do Democrático de Direito. Sendo, o Brasil, incluído na lista de casos em que o Comitê de Peritos considera grave violação as normas internacionais da OIT, em decorrência da reforma trabalhista.

 

Portanto, este artigo busca contribuir para análise dos possíveis rumos do instituto legal da gratuidade e ainda sobre os efeitos da sucumbência frente ao trabalhador, trazendo para esta reflexão as normas pátrias e internacionais, as quais o Brasil é signatário e o direito comparado da Grã-Bretanha. E para tanto, este breve estudo, tecerá sucintos comentários sobre as naturezas do direito do trabalho, do seu bem tutelado, o acesso à justiça e a paridade de armas, assim como, a impenhorabilidade do crédito alimentar.

 

  1. DA NATUREZA DO DIREITO DO TRABALHO E DO SEU BEM TUTELADO

 

A Declaração de Direitos Humanos, em seu artigo 23, ao afirmar que “toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, as condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego“, elevou o direito do trabalho a categoria de direito humano. Da mesma forma fez a Declaração da OIT, dos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, quando o texto conferiu aos Estados Membros, portanto, ao Brasil ,a busca do “vínculo entre o progresso social e o crescimento econômico, a garantias dos princípios e direitos fundamentais ao trabalho”.

 

Igual modo, a Carta Magna, ao definir os objetivos da República Federativa do Brasil, estabeleceu a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza, a marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, SEM PRECONCEITOS de origem, raça, sexo, cor, idade e QUAISQUER OUTRAS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO (art.3, I, III e IV, da CRFB). Como também, o Legislador Constituinte definiu que a Ordem Social tem como alicerce o trabalho objetivando o bem estar social e a justiça social (art. 193, da CRFB) e a busca de pleno emprego (art. 170, VII da CRFB).

 

Os textos normativos acima evidenciam a natureza de direito humano ao qual o direito do trabalho foi elevado. Diante do exposto, é fundamental para o desenvolvimento do raciocínio, que esteja presente no decorrer do texto, que o Direito do Trabalho é um Direito Humano.

 

A Definição de direitos Humanos, segundo GORCZEVKI (2005, p. 18), seria “um conjunto de direitos inatos ao homem e anteriores ao Estado”, também denominados de direitos naturais, que se formam no decorrer do tempo, gerando um consenso na sociedade do que advém da própria essência do homem.

 

Benevides, em busca da incansável contextualização dos direitos humanos, ensina como sendo (1994, p. 27):

 

comuns a todos os seres humanos, sem distinção de raça, sexo, classe social, religião, etnia, cidadania política ou julgamento moral. São aqueles que decorrem do reconhecimento da dignidade intrínseca a todo ser humano. Independem do reconhecimento formal dos poderes públicos – por isso são considerados naturais ou acima e antes da lei -, embora devam ser garantidos por esses mesmos poderes”.

 

Os direitos humanos nascem com o homem, por essa razão recebem, também, o nome de direitos naturais. A aplicabilidade deles é universal, resistentes ao tempo e somente sofrem legítimas mutações quando a sociedade altera a essência de seus costumes, mas jamais será fidedigna quando a mudança é realizada exclusivamente pelo legislador sem atender as balizas dos direitos humanos e, via de consequência, o direito natural.

 

As naturezas dos bens tutelados pelo Direito do Trabalho são a alimentar e a dignidade do ser humano. Com relação ao primeiro bem tutelado, os créditos postulados na Justiça do Trabalho, em sua maioria, detêm natureza salarial, portanto, alimentar nos termos do art. 100, §1º da CF, com os quais o obreiro sustenta a si e sua família. No que se refere à dignidade da pessoa humana, esta advêm dos deveres do empregador em resguardar a moral, a saúde, a segurança e a higiene do trabalhador, pois o trabalho não é uma mercadoria  conforme “ Fins e Objetivos da Organização Internacional do Trabalho, inciso “I”, letra “a”, da Declaração da Filadélfia”.

 

Por fim, o trabalhador, diante do seu empregador, é economicamente mais frágil do que quem lhe contrata. Note que, em 2017, segundo pesquisa do IBGE,10% (dez por cento) da população brasileira detinha 50% (cinquenta por cento) de toda a renda do país, assim como as pessoas que possuíam algum tipo de rendimento no Brasil, deveriam receber mensalmente R$ 2.112,00 (dois mil cento e doze reais) por pessoa, mas não é isso que acontece. De acordo com o estudo, “A metade dos trabalhadores com menores rendimentos recebe, em média, R$ 754, enquanto o 1% com os maiores rendimentos ganha, em média, R$ 27.213,00, ou seja, 36,1 vezes mais“, de acordo com a notícia veiculada no site do citado órgão. Deste modo, a hipossuficiência do trabalhador no Brasil não é mera construção acadêmica, pois dados oficiais do IBGE comprovam que ela é real e endêmica.

 

Portanto , o interprete não pode perder de vista que à Justiça do Trabalho tutela moral, saúde, higiene e segurança do trabalhador e ainda a sua subsistência, tudo isso para garantir o mínimo existencial de dignidade humana ao trabalhador, logo, um direito humano, daquele que é economicamente mais frágil.

 

Isto posto, passa-se a análise da Lei 13.467/17, quando regulamenta sobre o instituto da gratuidade de justiça.

 

  1. DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA E O PRINCÍPIO DA APLICAÇÃO IMEDIATA

 

A Gratuidade de Justiça trata-se de direito fundamental, vez que positivado no art. 5º, LXXIV da CRFB. Sua origem ocorrera da proibição da autotutela imposta pelo Estado de Direito aos jurisdicionados. Logo, essa garantia constitucional tem como objetivo instrumentalizar o amplo e irrestrito acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, CRFB), para aqueles que não possuem condições financeiras, permitindo a igualdade de condições para todos os cidadãos.

 

O Princípio da Aplicação Imediata dos Direitos Fundamentais resta descrito no §1º, art. 5º, da CF/88, in verbis: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata“. Essa principiologia é dotada de Extensões Negativas e Positivas. A primeira, Negativa, impede a edição de leis que contrariem seu conteúdo ou que restrinjam sem a correta ponderação de bens. Já a dimensão Positiva, confere ao texto constitucional fundamental uma aplicação imediata, sem necessidade de edições de outras normas, exigindo do Estado seu cumprimento integral.

 

Dito isso, fácil compreender que o texto constitucional sobre gratuidade tem aplicação imediata (dimensão Positiva do Princípio), nos seus exatos termos: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos“. Da mesma forma, qualquer restrição à gratuidade deve passar pelo crivo da extensão negativa, inerente ao princípio da aplicação imediata dos direitos fundamentais. Portanto, conhecedor das duas dimensões, convida o leitor a avaliar a fundamentação do relator do projeto de lei 6.787/2016, que deu origem a Reforma Trabalhista, para implementação da sucumbência e a mitigação da gratuidade:

 

“Um dos problemas relacionados ao excesso de demanda na Justiça do Trabalho é a falta de onerosidade para se ingressar com uma ação, com ausência da sucumbência e o grande número de pedidos de justiça gratuita. Essa litigância sem risco acaba por estimular o ajuizamento de ação trabalhista”

 

Resta claro o objetivo do legislador ordinário em deter o acesso à Justiça Laboral com a implantação da sucumbência e a mitigação da gratuidade, por meio dos artigos 790-B, 791-A, 844da CLT, confrontando não só os próprios textos legais essenciais da Constituição relativos a gratuidade e o acesso a justiça, como também ao Princípio da Aplicabilidade Imediata das Norma Fundamentais, tanto na sua extensão na Negativa como na Positiva.

 

  1. DO ACESSO À JUSTIÇA – NATUREZA DIREITO FUNDAMENTAL E IRRENUNCIÁVEL PARA SOCIEDADE- E A JUSTIÇA SOCIAL

 

No campo do direito internacional, o primeiro documento a instituir o acesso à justiça foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos, no ano de 1948, em seu artigo X: “toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”. Em 1969, a Convenção Americana de Direitos Humanos, assinada em São José da Costa Rica, no artigo 8º, inciso I, também tratou do amplo acesso à justiça:”toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”. Posteriormente, a Constituição do 1988 ratificou esse direito internacional, no artigo 5º, inciso XXXV ao dispor: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito“.

 

Segundo os juristas Mauro Cappelletti e Garth na obra “Acesso à justiça”  o princípio do acesso à justiça “pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”. Esse direito natural, de acordo com Quelen Aquino, é um dos principais direitos do ser humano, que devem ser imediatamente garantidos, pelo fato de que, é através do seu pleno exercício que os direitos fundamentais materiais serão reconhecidos. E quais os direitos materiais que estamos visitando? Como já especificado, são a dignidade humana, subsistência, saúde, higiene e segurança deste cidadão trabalhador e economicamente mais vulnerável que seu empregador.

 

A declaração da Filadélfia – ratificada pelo Brasil e internalizada no ordenamento jurídico em 1948 : “a paz para ser universal e duradoura deve assentar sobre a justiça social”. Define, ainda, como princípios fundamentais que “a penúria, seja onde for, constitui um perigo para a prosperidade geral”; que “a luta contra a carência, em qualquer nação deve ser conduzida com infatigável energia, e por um esforço internacional contínuo e conjugado, no qual os representantes dos empregadores e dos empregados discutem, em igualdade, com os dos Governos, e tomem com eles decisões de caráter democrático, visando o bem comum“. E ainda defende, que”todos os seres humanos de qualquer raça, crença ou sexo, têm o direito de assegurar o bem estar material e o desenvolvimento espiritual dentro da liberdade e da dignidade, da tranquilidade econômica e com as mesmas possibilidades“,  que “a realização de condições que permitam o exercício de tal direito deve constituir o principal objetivo de qualquer política nacional ou internacional” e ainda que “quaisquer planos ou medidas, no terreno nacional ou internacional, máxime os de caráter econômico e financeiro, devem ser considerados sob esse ponto de vista e somente aceitos quando favorecerem, e não entravarem, a realização desse objetivo principal“.

 

A constituição Brasileira, em seu art. 5º, §2º c/c §3º, incorporou os tratados de direitos humanos internacionais as normas brasileiras, e, destarte, a nenhum tempo podem ficar alijados deste processo de cognição interpretativa. Logo, o Pacto de São José da Costa Rica, a Declaração da Filadélfia e a Constituição da República direcionam a conclusão inevitável de que as novas ordens legais de sucumbência no processo laboral não trazem a paz social e a igualdade de condições necessárias à garantia do cumprimento ao Direito Laboral, cuja natureza é de Direito Humano, e, infelizmente, está sendo transformado em carta morta, sem a fiança de efetividade.

 

  1. A GRATUIDADE E O ACESSO A JUSTIÇA

 

O Estado deve fornecer meios para sua proteção dos direitos dos trabalhadores. As normas de direito laboral foram desenvolvidas visando um bem maior, que é a sociedade, por ser reconhecido como garantidor da paz social, evitando um estado de barbárie. Assim, a mitigação da gratuidade e a aplicação do ônus da sucumbência pela Lei 13.467/17 – para o trabalhador brasileiro que é efetivamente miserável, vide dados já expostos do IBGE – inviabilizam o acesso à justiça, deixando vulneráveis a subsistência e a proteção da dignidade da pessoa humana do cidadão laboral.

 

Doutrinariamente, invoca-se os ensinamentos da obra, Acesso à Justiça, dos juristas Mauro Cappelletti e Garth, que disciplinam:“O alto custo para as partes é particularmente óbvio sob o “Sistema Americano”, que não obriga o vencido a reembolsar ao vencedor os honorários despendidos com seu advogado. Mas os altos custos também agem como uma barreira poderosa sob o sistema, mais amplamente difundido, que impõe ao vencido os ônus da sucumbência (12). Nesse caso, a menos que o litigante em potencial esteja certo de vencer – o que é de fato extremamente raro, dadas as normais incertezas do processo – ele deve enfrentar um risco ainda maior do que o verificado nos Estados Unidos. A penalidade para o vencido em países que adotam o princípio da sucumbência é aproximadamente duas vezes maior – ele pagará os custos de ambas as partes. Além disso, em alguns países, como a Grã-Bretanha, o demandante muitas vezes não pode sequer estimar o tamanho do risco – quanto lhe custará perder – uma vez que os honorários advocatícios podem variar muito (13). (…)De qualquer forma, torna-se claro que os altos custos, na medida em que uma ou ambas as partes devam suportá-los, constituem uma importante barreira ao acesso à justiça”.

 

No mesmo sentido, defende Luiz Guilherme Marinoni (pg. 219, 2016): “O mais óbvio obstáculo para um efetivo acesso à justiça é o do “custo do processo”. Esse problema relaciona-se com o das custas judiciais devidas aos órgãos jurisdicionais, com as despesas para a contratação de advogado e com aquelas necessárias para a produção de provas. É evidente que o custo do processo constitui um grave empecilho para boa parte da população brasileira, pois todos conhecem as dificuldades financeiras que a assola. Na verdade, as custas processuais, as despesas para a contratação de advogados e relativas à produção de provas dificilmente poderão ser retiradas das disponibilidades orçamentárias das partes e assim terão de obrigá-las a economias sacrificantes.(…) O custo do processo pode impedir o cidadão de propor a ação, ainda que tenha convicção de que seu direito foi violado ou está sendo ameaçado de violação. Isso significa que, por razões financeiras, expressiva parte dos brasileiros pode ser obrigada a abrir mão dos seus direitos. Porém, é evidente que não adianta outorgar direitos e técnicas processuais adequadas e não permitir que o processo possa ser utilizado em razão de óbices econômicos”.

 

 

Ressalte-se que as duas doutrinas trazidas foram escritas por juristas de nacionalidades distintas e períodos distintos, contudo a conclusão foi idêntica, que o custo do processo, parafraseando o Marinoni, é o“mais óbvio obstáculo para um efetivo acesso à justiça”. A gratuidade, na prática, é o meio mais importante para o trabalhador ter resguardado a proteção de seus direitos, portanto, o verdadeiro instrumentodo efetivo de acesso à justiça e, por certo, não pode ser fictício sob pena de tornar a legislação sem eficácia, uma vez que “Os direitos fundamentais materiais” – no caso, o direito do trabalho – “dependem, em termos de efetividade, do direito de ação”, (pg. 238, Marinoni, 2016).

 

 

Diante do que já foi exposto, convida para ponderação entre a fundamentação do Relator da Lei 13.467/17 a despeito da sucumbência, já descrito no capítulo 3, com os preceitos do Professor de Processo Civil, Luiz Guilherme Marinoni a seguir (pg. 240,241): “O direito de ação, diante do Estado constitucional, está muito longe de ter apenas o significado de uma garantia face do Estado. Quando se toma em consideração a proibição de o Estado vedar o acesso à jurisdição diante de determinada situação ou de excluir do Poder Judiciário uma afirmação de lesão ou de ameaça ao direito, o direito fundamental de ação se porta como uma garantia contra o Estado ou ainda como uma garantia de que o Estado não faça algo para impedir o exercício do direito de ação e o acesso à justiça. Acontece que o direito fundamental de ação, assim como acontece com os direitos fundamentais no Estado constitucional, exige prestações estatais positivas voltadas a sua plena realização concreta”.

 

É indiscutível que a mitigação da gratuidade e a imposição de honorários de sucumbência ferem o Acesso à Justiça no âmbito Laboral, pois os seus tutelados são em sua maioria esmagadora miseráveis.

 

  1. DA VIGÊNCIA DA LEI 13.467 DE 2017 E O IMPEDIMENTO DO ACESSO A JUSTIÇA

 

Os honorários e as custas judiciais, aos primeiros olhos, podem levar ao pensamento de não coibirem o ingresso na justiça, contudo, o texto legal da Lei 13.467/17, aclarado pela justificativa do projeto de Lei 6.787/2016, está – NA PRÁTICA E NÃO APENAS NA TEORIA  – impondo a diminuição das distribuições das reclamações na Justiça do Trabalho, que foram sensivelmente verificadas após a vigência.

 

Não é possível crer que este fenômeno de decréscimo ocorreu pela autocomposição de forma instantânea entre empregado e empregador, muito menos pela inexistência de conflitos entre esses partícipes, tampouco pelo encerramento das demandas proclamadas como temerárias. Elevar o pensamento neste nível, beira a ingenuidade. Os conflitos continuam e continuarão existindo, mas o receio ao qual o trabalhador foi submetido pelo legislador ordinário, em sair devedor ao buscar seu direito, o vem afastando da reparação das suas garantias.

 

Imputar o ônus de sucumbência e a mitigação da gratuidade ao trabalhador está causando o abandono dos direitos vilipendiados dos trabalhadores e ainda afastando a paz social do nosso país, impondo mais miséria à nossa sociedade.

 

O aceso à justiça jamais deveria ser limitado as demandas que tenham 100% (cem por cento) de certeza de vitória, até porque dadas as peculiaridades das leis processuais, isto não existe. Não há lide com certeza de ganho. Tanto é assim que para um único instituto de direito há diversas correntes que em conjunto com o princípio do juiz natural reafirmam a incerteza do desfecho de uma demanda judicial.

 

A Lei 13.467/17 além de alterar o direito processual também trouxe inovações no âmbito material, tais como, trabalho intermitente e teletrabalho, modalidades antes não regulamentadas e sem qualquer apreciação do Poder Judiciário. Assim, como garantir o verdadeiro acesso à justiça ao trabalhador que vivenciar tais trabalhos, diante da sucumbência e da mitigação da gratuidade? A inevitável conclusão é de deslealdade com a sociedade, pois tais normas materiais (teletrabalho, trabalho intermitente, entre outros temas) não foram objetos de manifestação dos Tribunais do país. Como não pensar que há uma inconstitucionalidade em face da sucumbência do trabalhador, vez que fere o acesso à justiça e a igualdade material. Não há outra conclusão que não o afastamento da sucumbência e da mitigação da gratuidade do trabalhador pelo operador do direito, pois não há conformidade com as normas fundamentais de amplo acesso ao Poder Judiciário, bem como em relação à justiça gratuita e o princípio da aplicação imediata das normas fundamentais.

 

Ademais, a sucumbência do trabalhador gera uma redução de sua verba alimentar já tão diminuta o que vem a comprometer a garantia do mínimo existencial a garantir ao trabalhador os direitos plasmados no artigo 6º de nossa Carta Política.

 

A Justiça do Trabalho é tão importante à sociedade, mas infelizmente está sucumbindo, e junto com ela os direitos materiais e humanos do trabalhador. E quem perde é a sociedade.

 

  1. DO DIREITO COMPARADO

 

A Inglaterra vivenciou situação semelhante, por isto, a pretensão é utilizar o direito comparado da Grã-Bretanha, ainda que aquele país tenha adotado o sistema anglo-saxônico e o Brasil o romano-germânico, do mesmo modo, o cotejo não se desfaz, pois o princípio do acesso à justiça é um direito universal, originário de diversos textos legais internacionais dos quais Brasil e Inglaterra são signatários, não havendo divergências com relação ao direito ao Acesso à Justiça, o qual é um Direito Humano, portanto, universal .

 

Dito isso, em 28 de julho de 2013, na Grã-Bretanha foram instituídas as taxas de ingresso nos Tribunais especializados do trabalho, lá chamados de employment tribunals”.

 

Para o estabelecimento das taxas Européias, foram adotadas igual homíliada Lei 13.467/17, qual seja, que os créditos entregues aos empregados eram menores do que o custo monetário de manutenção dos tribunais laborais à sociedade, sustentando, ainda, que a custo desses serviços deveria ser feita pelo cidadão que o utilizasse. De igual modo, foi difundida a falácia de que a cobrança da taxa evitaria as lides falsas e destituídas de direitos, ocasionando maior comprometimento de quem buscasse os serviços Judiciais. Vejam que os discursos dos parlamentos da América e da Europa foram idênticos.

 

Contudo, a Corte Suprema de Sua Majestade da Grã-Bretanha, mesmo sendo um Estado Neoliberal, declarou inconstitucional a cobrança de taxas para o ingresso nos Tribunais especializados para julgamento das relações de trabalho, posto que estaria inviabilizando o acesso à justiça.

 

E o julgamento da Corte Inglesa concluiu que, mesmo com a possibilidade ser conferida a Remission (instituto similar à concessão de gratuidade para a taxa judicial), ainda assim, houve a queda brutal das reclamações laborais, que de acordo com os estudos realizados pelas autoridades britânicas, decorreu da instituição das taxas, concluindo pela violação ao direito ao acesso à justiça que é tão caro ao Estado de Direito.

 

Para a Corte Máxima anglo-saxônica, o acesso à justiça não pode ser limitado ao caso de grande repercussão ou de certeza inquestionável de ganho, já que isto não existe no Judiciário.

 

Os jurisdicionados (trabalhador e empregador) têm o direito de saber que, se por um lado as empresas podem impor seus direitos aos empregados, de outro, se não cumprirem com suas obrigações poderão ser obrigados a fazer. O acesso à justiça não é um princípio destinado exclusivamente ao grupo que busca ao Judiciário, mas sim a toda sociedade.

 

Concluindo, então, a decisão da Corte Britânica foi pelo afastamento da aplicação das taxas, pois não garantiam o acesso irrestrito ao Poder Judiciário.

 

  1. DA INEXISTÊNCIA DE PARIDADE DE ARMAS

 

Outra questão, crucial para reflexão sobre a sucumbência na justiça laboral, é em relação à ausência de isonomia material na produção de provas entre o empregado e o empregador. Como já foi dito, em regra, o empregador possui condição econômica superior a do empregado, o que naturalmente amplia as possibilidades na produção de provas, podendo suportar demandas longas e custosas, ao contrário do empregado.

 

Além disso, os documentos permanecem em poder do empregador e não do trabalhador. A prova testemunhal sob a ótica do patrão é mais acessível, pois os trabalhadores que conviveram com o autor da demanda ou estão laborando para empresa, ou, no mínimo, quando encerrado o pacto laboral daqueles, os dados de identidade, endereços e telefones permanecem registrados na empresa e em posse do empregador, conferindo, indiscutivelmente, maiores vantagens ao contratante, pois o operário não detém as mesmas condições.

 

Deste modo, a redução do instituto da gratuidade de justiça e a aplicação da sucumbência em honorários aos trabalhadores acabam por impor limitações ao acesso à justiça para as demandas que tenham a “certeza do sucesso”, ou seja, para aqueles que possuem a melhor aptidão de prova, assim, o trabalhador estará, na esmagadora maioria das vezes, em desvantagem.

 

O artigo 795-B, inserido pela reforma, ao tratar do ônus de sucumbência na esfera da perícia, acabou por aumentar a desigualdade da paridade de armas, pois o trabalhador reconhecidamente hipossuficiente, ainda que detentor da gratuidade de justiça, poderá ter descontado do seu parco patrimônio os valores de uma perícia sem sucesso. Isto nada mais é do que inviabilizar o ingresso do empregado nas discussões de normas que resguardam a saúde, higiene e segurança do empregado, matérias inegociáveis. Certo é que, em breve, não haverá cidadão que busque a reparação, pois no psicológico do trabalhador, o ônus da sucumbência em caso de insucesso do pleito poderá acarretar três condenações: de honorários advocatícios, custas e dos honorários periciais, ou seja, a finalidade é fechar a porta do judiciário laboral ao trabalhador.

 

 

 

  1. DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL

 

Outro fundamento para inconstitucionalidade das normas de sucumbência no âmbito do processo do trabalho é a afronta ao princípio da vedação do retrocesso social, ao direito incorporado aos jurisdicionados laborais da gratuidade ampla e irrestrita.

 

Assim, não pode uma norma infraconstitucional restringir o direito social constitucional já assegurado em favor dos cidadãos, como a gratuidade de justiça e inaplicabilidade da sucumbência, sob pena de retrocesso ilegítimo desse direito que consagra, inequivocamente, o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional. A manutenção e consolidação dos níveis mínimos de proteção social devem ser resguardados, com o objetivo de manter a segurança social e ainda da tutela dos direitos sociais em toda amplitude, inclusive, como condição para a funcionalidade da própria democracia e sobrevivência do Estado Constitucional, como bem diz Ziemann.

 

Ademais, Maurício Godinho Delgado, Ilustre Jurista, na sua obra “ Princípios constitucionais do trabalho e princípios de direito individual e coletivo do trabalho” , leciona:

 

Note-se que a vedação a qualquer medida de retrocesso social é diretriz decisiva para que os Direitos Humanos demonstrem seu caráter progressivo permanente, na perspectiva do denominado princípio da progressividade social. No Brasil, o princípio da progressividade dos direitos humanos, bem como o da vedação do retrocesso social estão incorporados na norma constante do §2º do art. 5º da Constituição da República, que estatui explicitamente: “Os direitos e garantias expressos, nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela dotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte“.

 

 

Nem se diga que o princípio da vedação social pode ser mitigado, em momentos de crise, posto que a crise que se vive atualmente no país não veio das relações do trabalho, tanto é assim, que já vigente a nova lei, por quase um ano, não houve aumento dos postos de trabalho, mas ao contrário sensu o que se verifica pelos dados do IBGE é a continuidade do aumento desenfreado de demissões, além da precarização da mão-de-obra,de acordo com a notícia veiculada no site UOL, em abril deste ano eram 13,7 milhões de desempregados, de onde se conclui que não houve aumento de postos de trabalho com a flexibilização, reafirmando a falácia ventilada pelos defensores desta reforma trabalhista. A proteção ao trabalho e as condições justas remuneratórias jamais prejudicam um pais, ao contrário a proteção desses direitos trazem é prosperidade para a sociedade.

 

  1. DA AUSÊNCIA DE ISONOMIA E AS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS

 

Não menos importante é a análise do art. 98 do CPC – que regulamente a gratuidade de justiça na esfera dos direitos civis, portanto, entre iguais – e ao contrário senso o citado artigo de cunho civil é mais garantista do que o atribuído pela Lei 13.467/17, de natureza laboral, justamente nas relações entre desiguais (empregado e empregador), o que impõe ao trabalhador um condição de cidadão de segunda classe, lembrando que a ordem social tem como base o primado pelo trabalho e o objetivo de bem-estar e a JUSTIÇA SOCIAL (art. 193 da CRFB), deste modo as limitações da gratuidade de justiça não podem ser aceitas pelos Tribunais.

 

O artigo 1.707 do CC de aplicação subsidiária ao direito do trabalho, impede que a renúncia, cessão, compensação ou penhora dos créditos de natureza alimentar. O crédito trabalhista auferido em reclamação trabalhista por trabalhador hipossuficiente tem caráter de mínimo existencial e protegido pela dignidade da pessoa humana. Logo impenhoráveis e incompensáveis.

 

Por derradeiro, os honorários advocatícios são dotados de natureza jurídica salarial (artigo 85, parágrafo 14 do CPC), todavia possui caráter de verba acessória, posto que decorre da sucumbência,assim, o pagamento de uma verba acessória jamais poderá se dar às custas da verba principal. Em sendo verba alimentar principal e a de sucumbência, embora alimentar, é acessória, portanto a preferência em sede de execução deverá ser feita com preferência a verba alimentar principal.

 

10 .CONCLUSÃO

 

Diante do exposto, a mitigação da gratuidade de justiça e a sucumbência estabelecidas na lei 13.467/17 devem ser rechaçadas pelo operador do direito, haja vista o princípio da proteção ao trabalhador, da isonomia material, do acesso amplo e irrestrito ao Poder Judiciário e da aplicação imediata aos direitos fundamentais

 

A gratuidade deve ser irrestrita e sem qualquer ressalva como impôs o legislador constituinte.

 

Os princípios de direitos fundamentais humanos não são afastados do ordenamento jurídico pelo legislador e para ser legítima sua alteração somente poderia se dar pelos costumes da própria sociedade.

 

As normas internacionais e pátrias impedem a restrição ao Acesso à Justiça e resta claro pela redução do número de ações trabalhistas em todo o país, que a fragmentação da gratuidade e a implementação da sucumbência impuseram a restrição do acesso à justiça laboral.

 

 

Além disso, a mitigação da gratuidade fere o Princípio da Aplicação Imediata dos Princípios Fundamentais tanto na dimensão Positiva como na Negativa. Do mesmo modo, que estamos diante de um trabalhador brasileiro que é efetivamente pobre e não uma mera construção acadêmica. Ademais, até mesmo aqueles obreiros que possuem mais do que as condições mínimas de sobrevivência, por conta de seus bons salários, diante da ausência da gratuidade e da existência de sucumbência, são os mais afetados pela reforma trabalhista, pois na hipótese de improcedência de um pedido, poderão ser condenados em valores elevados que o afastarão do Poder Judiciário. Claro ficará para o empregador que poderá realizar inúmeras práticas contrárias aos direitos dos empregados, pois o receio  da perda será o garantidor de inexistência de ação laboral.

 

Pensar que o trabalhador que ganha salários mais elevados não detêm o mesmo direito ao trabalhador economicamente hipossuficiente é também uma forma de mitigação da justiça e da igualdade.

 

A perda em um processo não necessariamente passa pela falta do direito, mas sim pela ausência de paridade de armas, de entendimento diversas das correntes que se filiam ao juiz natural e entre inúmeros outros casos, pois não há lide 100% ganha.

 

A nova lei processual, ao contrário do que foi veiculada pela mídia e por alguns juristas, não veio para moralizar a Justiça Laboral, mas sim para inviabilizar o acesso à justiça. Nosso ordenamento pátrio jamais foi omisso para sanção das lides temerárias, logo a sucumbência e a mitigação da gratuidade jamais podem ser defendidas como antídotos constitucionais para tal, pois sempre houve o instituto da litigância de má-fé,  norma que contrário sensu da Lei 13.467/17 jamais impediram acesso à justiça, mas implicam em punibilidades para as partes que produzem lides temerárias.

 

Deste modo, os textos dos artigos 790-B, 791-A, 844 da CLT restringiram o alcance do instituto da gratuidade, direito fundamental decorrente do amplo acesso à justiça, devem ser afastadas pelo Poder Judiciário. Deste modo, a regra da gratuidade estabelecida pela lei 13.467/17 é desproporcional e incompatível com a interpretação sistemática das normas internacionais, da Constituição Federal e da CLT.

 

O direito comparado Inglês acertadamente afastou a cobrança de taxas do obreiro  e é plenamente aplicável ao nosso país, independente do momento que  é cobrado e do nome dado, se é taxa, custas ou honorários . O fato é que afasta o trabalhador do amparo do Poder Judiciário.

 

O direito do trabalho não é exclusivo daqueles que buscam restituir os seus direitos, ele é de interesse de toda a sociedade, pois o trabalho é a base da ordem social, assim um direito difuso e coletivo, além da sua indiscutível natureza de direito natural do ser humano.

 

Portanto, as restrições à gratuidade implementadas pela Lei 13.467/17 e a sucumbência imposta ao trabalhador, não visaram o bem-estar social nem a proteção ao trabalho, também não garantiram o pleno emprego, inúmeras vezes cantado como a grande vantagem para reforma. A nova lei laboral formada em tempo recorde, trouxe o afastamento do trabalhador da obtenção de uma decisão justa e imparcial sobre os seus direitos, ocasionados pelo desrespeito às normas de amplitude internacionais e as pátrias sendo essas em todas as esferas de hierarquia.

 

E agora qual será o futuro do trabalhador? Só o tempo dirá.

 

 

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