Decisão Impactante: STF Define o Futuro dos Direitos dos Motoristas no Brasil

INTRODUÇÃO

No dia 30 de junho de 2023, o plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão virtual, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5322, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes (CNTT), declarou inconstitucionais alguns pontos da Lei 13.103/2015 (Lei dos Caminhoneiros), pertinentes à jornada de trabalho, pausas para descanso e repouso semanal. Além disso, outros pontos da legislação foram validados, como, por exemplo, a exigência de exame toxicológico de motoristas profissionais e a possibilidade de prorrogação de jornada, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo, por até 4 (quatro) horas.

Prevaleceu o voto do condutor do Ministro Alexandre de Moraes, conforme ata de julgamento publicada no DJE de 11/07/2023.

Pela decisão, o Tribunal considerou inconstitucionais os dispositivos que permitiam a redução e o fracionamento do período de descanso, bem como sua coincidência com os períodos de parada obrigatória estabelecidos pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB). O raciocínio por trás dessa decisão é que o descanso adequado, além de ser essencial para a recuperação física do motorista, tem um impacto direto na segurança rodoviária, assegurando que os motoristas mantenham um nível adequado de concentração e cognição.

Além disso, foi declarado inconstitucional o dispositivo que excluía o tempo de espera pela carga ou descarga, ou pela fiscalização da mercadoria, da jornada de trabalho e do cálculo de horas extras. Segundo o relator, o motorista permanece à disposição do empregador durante esse período, e não se pode considerá-lo como uma mera ‘indenização’, pois se trata de um período efetivo de serviço.

O Tribunal também invalidou a ideia de que um motorista poderia descansar com o veículo em movimento, enquanto outro motorista estivesse ao volante. Isso foi considerado impraticável devido às condições das estradas brasileiras e à falta de instalações adequadas nos veículos para permitir um descanso adequado.

A decisão também ressaltou que os direitos relacionados ao descanso e saúde do trabalhador são direitos sociais indisponíveis. Alguns ministros, como Ricardo Lewandowski, Edson Fachin e Rosa Weber, apresentaram votos parcialmente discordantes, enquanto o Ministro Dias Toffoli acompanhou o relator, porém com algumas ressalvas.

O acórdão ainda não foi publicado, sendo que a decisão ainda pode ser objeto de embargos de declaração.

EXIBILIDADE DA DECISÃO

Como a referida decisão pode causar diversos impactos no setor de transporte rodoviário brasileiro, surge, inicialmente, grande dúvida sobre o marco inicial de exigibilidade do decidido. Nesse aspecto, existem 4 possibilidades:

  1. a) publicação da ata de julgamento,
  2. b) publicação do acórdão de mérito,
  3. c) publicação do acórdão de embargos declaratórios eventualmente opostos ou, ainda,
  4. d) do trânsito em julgado da decisão.

Para análise da questão, é importante destacar que as decisões resultantes do controle concentrado de constitucionalidade têm validade para todos e são obrigatórias para os demais órgãos do Poder Público, conforme previsão do artigo 927, I, do CPC, juntamente com o artigo 28, parágrafo único, da Lei nº 9.868/1999 e o artigo 10, § 3º, da Lei nº 9.882/1999.

A jurisprudência da Corte Suprema tem consistentemente estabelecido que a eficácia erga omnes das decisões em controle concentrado inicia-se com a publicação da ata de julgamento. Veja-se alguns julgados nesse sentido:

– Rcl 3632 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 02/02/2006: “A decisão de inconstitucionalidade produz efeito vinculante e eficácia erga omnes desde a publicação da ata de julgamento e não da publicação do acórdão.” (destaquei)

– ADI n. 5439 ADIAgR, Relatora Ministra Cármen Lúcia, DJe 13.04.2021: “O Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência reiterada no sentido de que o efeito da decisão proferida por este Supremo Tribunal, pela qual declarada a constitucionalidade ou não de lei ou ato normativo, inicia-se com a publicação da ata da sessão de julgamento.” (destaquei)

– ARE n. 1.031.810 AgR-ED-ED, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe 18.11.2019: “A eficácia das decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade ocorre a partir da publicação da ata de seu julgamento.” (destaquei)

Inclusive, a título exemplificativo, cita-se julgado do E. TRT da 3ª Região, que, em 08 de agosto de 2023, aplicou o direcionamento dado pelo C. STF e reconheceu que o tempo de espera do motorista deve ser computado na jornada de trabalho para todos os fins, in verbis:

“(…) Entendeu o E. STF, entre outros pontos, que o tempo em que o motorista aguarda a carga ou descarga do veículo nas dependências do embarcador ou do destinatário e o período gasto com a fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias (tempo de espera previsto no artigo 235-C, §8º, da CLT) não pode ser excluído da jornada, por se tratar de período em que o empregado encontra-se efetivamente à disposição do empregador, sendo inconstitucional ainda a natureza indenizatória atribuída à parcela, por se tratar de efetiva contraprestação pelo trabalho.

Para o relator, Ministro Alexandre de Moraes, cujo voto prevaleceu, o tratamento legal conferido ao tempo de espera acarreta uma descaracterização da relação de trabalho, com prejuízo direto ao trabalhador, porque autoriza a prestação de serviços sem cômputo na jornada normal ou extraordinária.

Portanto, nos termos fixados na referida ADI, o tempo de espera deve ser computado na jornada de trabalho para todos os fins.

A decisão é imediatamente aplicável ao caso ante a eficácia erga omnes e o caráter vinculante do decidido (art. 28, parágrafo único, da Lei n. 9868/99).” (TRT-3 – ROT: 00101146720225030147, Relator: Convocado Cleber Lucio de Almeida, Sexta Turma, j. 08/08/2023)

Ainda sobre os efeitos da decisão, merece destaque o decidido pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 730462 (Tema n. 733), que fixou a seguinte tese:

A decisão do Supremo Tribunal Federal declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das decisões anteriores que tenham adotado entendimento diferente. Para que tal ocorra, será indispensável a interposição de recurso próprio ou, se for o caso, a propositura de ação rescisória própria, nos termos do art. 485 do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (CPC, art. 495).

Assim, a aplicabilidade do decidido nos processos em curso ou findados deverá observar a tese fixada pelo STF.

POSSIBILIDADE DE MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO

Como regra geral, os efeitos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal possuem efeitos “ex tunc” (pretéritos), ou seja, considera-se que o ato normativo declarado inconstitucional nunca existiu em nosso ordenamento jurídico.

Entretanto, conforme o disposto no art. 27 da Lei 9.868/99:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

No caso da ADI n. 5322, no julgamento inicial, não houve indicação de modulação dos efeitos da decisão, sendo, portanto, possível a exigência de observância do decidido desde a publicação do resultado do julgamento, com a observância do marco prescricional trabalhista previsto no art. 7º, inciso XXIX, da Constituiçaõ da República.

Todavia, nada impede que o Supremo Tribunal Federal, diante dos impactos econômicos e sociais da decisão, faça a modulação no julgamento de eventuais embargos de declaração.

Destaco que tão prática vem sendo admitida em controle concentrado de constitucionalidade (STF, Tribunal Pleno, ADI 4.167 ED, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 27/02/2013, DJe-199 09/10/2013; STF, Tribunal Pleno, ADI 2.797 ED, Rel. Min. Menezes Direito, rel. p/ Acórdão:  Min. Ayres Britto, j. 16/05/2012, DJe 28/02/2013; STF, Tribunal Pleno, ADI 3106 ED, Rel. Min. Luiz Fux, j. 20/05/2015, DJe, 13/08/2015).

CONCLUSÃO

Em razão do exposto, percebe-se que o Supremo Tribunal Federal, ao analisar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5322, identificou inconsistências constitucionais em certos trechos da Lei 13.103/2015, sobretudo em pontos relacionados à jornada de trabalho e períodos de descanso. Embora a eficácia da decisão se inicie com a publicação da ata de julgamento, o alcance e as implicações da mesma ainda estão sujeitos a futuras modulações, considerando os potenciais impactos econômicos e sociais no setor de transportes.

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