Como compatibilizar o art. 59 § 6º com o art. 59-B da CLT em relação à realização de acordo tácito para compensação mensal?

Art. 59.  A duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, emnúmero não excedente de duas, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.

(…)

6º É lícito o regime de compensação de jornada estabelecido por acordo individual, tácito ou escrito, para a compensação no mesmo mês.

Art. 59-B.  O não atendimento das exigências legais para compensação de jornada, inclusive quando estabelecida mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária se não ultrapassada a duração máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional.

O texto da reforma trabalhista, além de prever a hipótese de celebração de acordo individual para adoção de banco de horas para compensação semestral (art. 59, §5º, da CLT), estabeleceu a possibilidade de ocorrência de acordo individual, tácito ou escrito, para compensação no mesmo mês (art. 59, §6º, da CLT).

Vólia Bonfim Cassar, ao comentar o disposto no art. 59 da CLT, afirmou que:

“O legislador autorizou o ajuste escrito ou tácito para a compensação que ocorre dentro do mesmo mês. Se é possível o acordo tácito, logicamente também será admitido o pacto verbal de compensação, desde que também ocorra dentro do mesmo mês”[i].

O acordo tácito ocorre quando não há expressa declaração de vontade das partes, seja escrita ou verbal, para que ocorra a compensação, mas, na prática, a compensação acaba acontecendo.

Criticando a referida inovação legislativa, Maurício Godinho Delgado defende que:

“A Lei n. 1 3.467/201 7, entretanto, na literalidade de seu texto (novo § 6º do art. 59 da CLT), autoriza a pactuação bilateral por simples acordo tácito, além dos demais mecanismos já tradicionalmente permitidos (pactuação bilateral escrita e/ou instrumentos coletivos negociados).

A interpretação literalista desse novo preceito, entretanto, conduziria à deflagração de profunda insegurança jurídica para o trabalhador no contexto da relação de emprego, além de exacerbar o poder unilateral do empregador nessa relação já fortemente assimétrica. A interpretação lógico-racional, sistemática e teleológica do referido dispositivo da CLT, a par da incidência, na hipótese, do fundamental princípio constitucional da proporcionalidade e da razoabilidade, devem conduzir, equilibradamente, à compreensão no sentido da necessidade, pelo menos, da pactuação bilateral escrita para a validade do mencionado regime compensatório clássico.

Se não prevalecer tal interpretação racional, sistemática e teleológica, porém a mera compreensão literalista da nova regra da CLT, há que se esclarecer, naturalmente, que o ônus da prova da existência de mera pactuação tácita, ao longo da relação de emprego, resta sob ônus probatório do empregador, por se tratar de fato impeditivo do direito do reclamante (art. 818, lI CLT, conforme Lei n. 13.467/2017; art. 373, lI, CPC-2015)”[ii].

Antes da vigência da Lei n. 13.467/2017, o entendimento consolidado do TST, previsto na Súmula n. 85, era no seguinte sentido:

“SUM-85 COMPENSAÇÃO DE JORNADA (inserido o item VI) – Res. 209/2016, DEJT divulgado em 01, 02 e 03.06.2016

I – A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva. (ex-Súmula nº 85 – primeira parte – alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)

II – O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário. (ex-OJ nº 182 da SBDI-1 – inserida em 08.11.2000)

III – O mero não atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional. (ex-Súmula nº 85 – segunda parte – alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)

IV – A prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada. Nesta hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto àquelas destinadas à compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário. (ex-OJ nº 220 da SBDI-1 – inserida em 20.06.2001

V – As disposições contidas nesta súmula não se aplicam ao regime compensatório na modalidade “banco de horas”, que somente pode ser instituído por negociação coletiva.

VI – Não é válido acordo de compensação de jornada em atividade insalubre, ainda que estipulado em norma coletiva, sem a necessária inspeção prévia e permissão da autoridade competente, na forma do art. 60 da CLT”.

Percebe-se que o legislador reformista acabou incorporando o entendimento previsto no item IV da Súmula n. 85 na redação do art. 59-B, da CLT.

Surge aí uma aparente contradição, uma vez que o parágrafo 6º do art. 59 prevê a possibilidade da ocorrência de acordo tácito para compensação mensal e o art. 59-A trata da possibilidade restrita à semanal.

Todavia, inexiste a referida contradição. Ao que parece, o parágrafo 6º do art. 59 da CLT diz respeito ao acordo de compensação válido, que respeite o limite de duas horas extras diárias, conforme previsão do caput do mesmo artigo. Nessa hipótese, a compensação, ainda que ocorra tacitamente, poderá ocorrer dentro do lapso temporal de um mês.

Por outro lado, a previsão do art. 59-A diz respeito a outras modalidades de compensação, que, por exemplo, ultrapassem o limite de 2 (duas) horas diárias ou que contrariem disposições legais, como, por exemplo, a vedação do art. 60, caput, da CLT (Prorrogação de jornada em atividades insalubres). Nestes casos, a compensação deverá ocorrer dentro da mesma semana em que realizado o labor extraordinário.

Vólia Bomfim Cassar, bem delimita a questão:

“Tanto o acordo de compensação tácito (evidenciado pelo uso contínuo) como o acordo de compensação verbal (ex.: CTPS não é assinada, mas verbalmente pré-contratado com horário de compensação da semana espanhola – em uma semana trabalha 40 horas e na seguinte 48 horas) são permitidos apenas para compensação que ocorre dentro do mês, para as demais é necessário acordo escrito ou norma coletiva. Para os casos em que a lei exige forma especial, caso não ocorra, o acordo de compensação será nulo – art. 58-B da CLT. Neste caso, será devido apenas o adicional sobre as horas excedentes à duração máxima semanal”[iii].

Portanto, as duas previsões não se excluem, devendo ser interpretadas sistematicamente.

[i] CASSAR, Vólia Bomfim. Comentários à reforma trabalhista / Vólia Bomfim Cassar, Leonardo Dias Borges. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método. 2017, p. 30.

[ii] DELGADO, Mauricio Godinho. A reforma trabalhista no Brasil : com os comentários à Lei n. 13.467/2017 I Mauricio Godinho Delgado, Gabriela Neves Delgado. – São Paulo : LTr, 2017, pp. 128/129.

[iii] CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho / Vólia Bomfim Cassar – 14ª ed. – rev., atual e ampl – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017, p. 666.

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