- INTRODUÇÃO
A Lei nº 13.467/2017, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), além de criar novo requisito para elaboração da petição inicial no procedimento ordinário trabalhista, também trouxe profundas alterações em relação à sucumbência no Processo do Trabalho.
O parágrafo 1º do art. 840 da CLT, que trata dos requisitos da petição inicial, passou a estabelecer que a parte, ao ajuizar uma ação trabalhista, deve indicar o valor dos pedidos, mesmo na hipótese de procedimento ordinário. E, conforme o parágrafo 3º do art. 840 da CLT, os pedidos que não cumpram o referido requisito serão extintos sem resolução do mérito.
Ainda não há jurisprudência segura sobre a extensão da referida obrigação, sendo que, apesar de a Instrução Normativa n. 39 do TST ter estabelecido que o valor da causa será apenas estimado (art. 12, §2º), presumindo-se que não há necessidade de liquidação dos pedidos, mas mera indicação de valores, não se sabe, por ora, se os valores apontados limitarão ou não a condenação, em razão do princípio da adstrição.
Além disso, foram ampliadas as hipóteses de condenação ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência (art. 791-A da CLT), que antes eram restritas aos casos de assistência sindical (Súmulas n. 219 e 329 do TST) e outros previstos na Instrução Normativa n. 27/2005 do TST, com a previsão de obrigação do pagamento pela parte, ainda que beneficiária da justiça gratuita, desde que tenha obtido em juízo, mesmo que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa (art. 791-A, §4º, da CLT).
E, por fim, houve a previsão de que a parte, ainda que beneficiária da justiça gratuita, se sucumbente no objeto da perícia, deve responsabilizada pelo pagamento dos honorários periciais (art. 790-B, da CLT), sendo que somente será dispensada do recolhimento, se não tiver obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa, ainda que em outro processo.
Nesse contexto, abstraindo-se as discussões sobre a constitucionalidade das mencionadas alterações, cuja análise já foi submetida ao Supremo Tribunal Federal, diante do chamado novo paradigma de litigância responsável, soluções técnicas passaram a ser cogitadas para neutralização dos riscos e diminuição da insegurança jurídica, dentre as quais estão a produção antecipada de provas e a exibição de documentos, que seriam utilizadas em caráter preparatório e como instrumentos de garantia de acesso à justiça.
- NECESSÁRIO ESCORÇO HISTÓRICO
No Código de Processo Civil de 1973, a produção antecipada de provas era prevista em seus artigos 846 e seguintes, sendo tratada como uma medida cautelar antecipatória, estando sujeita ao pressuposto do periculum in mora (necessidade de se antecipar a prova para evitar sua impossibilidade de realização futura).
O art. 847 do CPC/1973 estabelecia que o interrogatório da parte ou a inquirição de testemunhas seriam antecipados quando: “I – se tiver de ausentar-se” ou “II – se, por motivo de idade ou de moléstia grave, houver justo receio de que ao tempo da prova já não exista, ou esteja impossibilitada de depor”.
E, também, conforme o art. 849 do CPC/1973, o exame pericial poderia ser antecipado quando houvesse “fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação”.
Sobre tal questão, afirmava THEODORO JR.: “Se não existe esse risco, a medida não tem cabimento e pode, inclusive, ser contestada pelo promovido, como medida desnecessária e onerosa”[i].
Entretanto, mesmo na vigência do Código de Processo Civil anterior, quanto aos exames periciais, o ilustre professor já defendia:
Para conservar a grande utilidade prática das vistorias na atividade forense, deve o intérprete adotar uma exegese liberal, quanto possível, a respeito do pressuposto exigido pelo art. 849, mormente porque é verdade aceita por todos que essas medidas cautelares prestam relevantes serviços à justa composição dos litígios, muitas vezes antecipando ajustes e transações extrajudiciais ou evitando demandas infundadas ou mal propostas.
Nessa ordem de idéias, o obstáculo à futura produção eficaz da prova (impossibilidade ou dificuldade) deve ser entendido tanto no sentido material como no jurídico[ii].
E, por sua vez, espírito do Código de Processo Civil de 2015, acabou acolhendo o referido posicionamento favorável à facilitação da justa composição do litígio, passando a estabelecer em seu art. 381 que:
Art. 381. A produção antecipada da prova será admitida nos casos em que:
I – haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação;
II – a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito;
III – o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.
Sem maiores esforços interpretativos, percebe-se que apenas a hipótese prevista no inciso I do dispositivo supracitado continua a possuir natureza cautelar, sendo que as demais não. Para admissibilidade da medida nos dois outros casos, basta tão somente que a prova a ser produzida possa viabilizar a autocomposição ou outro meio de solução do conflito; e/ou o prévio conhecimento possa justificar ou evitar o ajuizando da ação.
Importante salientar que as hipóteses de admissibilidade não são cumulativas ou excludentes.
Por outro lado, em relação à exibição de documento, o Código de Processo Civil de 1973 tratava da questão em dois momentos distintos, sendo o primeiro como incidente da fase probatória no processo de conhecimento (arts. 355 e seguintes) e o segundo como medida cautelar preparatória (arts. 844 e 845).
Embora a doutrina majoritária entendesse que, apesar de localizada dentre os procedimentos cautelares, tal ação não possuía natureza cautelar, já salientava THEODORO JR. que: “o que caracteriza a exibição como medida cautelar é servir para evitar o risco de uma ação mal proposta ou deficientemente instruída, tal como ocorre nas antecipações de prova, de maneira geral. Com ela evita-se a surpresa ou o risco de deparar, no curso do futuro processo, com uma situação de prova impossível ou inexistente”[iii].
O Código de Processo Civil de 2015, por sua vez, acabou com a previsão legal específica da possibilidade de ação cautelar antecedente, mantendo, entretanto, o procedimento de exibição em caráter incidental, em seus arts. 396 e seguintes.
- PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS E EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS NO PROCESSO DO TRABALHO
O art. 15 do CPC/15 estabelece que: “na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhe serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”.
Além disso, o art. 796 da CLT disciplina que “nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título”.
Diante da omissão da Consolidação das Leis do Trabalho, é induvidosa a aplicação supletiva e subsidiária das referidas regras processuais civis aos processos trabalhistas, sendo tal fato amplamente aceito por nossa jurisprudência, mesmo antes do advento do Código de Processo Civil de 2015 e da Lei n. 13.467/2017 (Reforma Trabalhista).
Embora existam algumas decisões incipientes ampliando os requisitos legais, saliente-se: em absoluto descompasso com o regramento do CPC/2015, ao que nos parece, tecnicamente, não há fundamento para restrição ao ajuizamento, sem ofensa ao texto legal.
Assim, o ajuizamento da produção antecipada de provas na seara laboral não deve ser restringido às hipóteses de risco na demora de realização da prova (art. 381, I, do CPC), devendo também ser admitido para viabilização da autocomposição ou outro meio para solução do conflito (art. 381, II, do CPC); ou para justificar ou evitar o ajuizamento da ação (art. 381, III, do CPC).
Importante relembrar que o Processo do Trabalho tem como um de seus princípios a conciliação, conforme o art. 764 da CLT, com a previsão de duas oportunidades obrigatórias para sua tentativa.
Segundo ressalta SCHIAVI, “A Justiça do Trabalho, tradicionalmente, é a Justiça da Conciliação. Historicamente, os primeiros órgãos de composição dos conflitos trabalhistas foram, eminentemente, de conciliação”[iv].
A Lei n. 13.467/2017, atentando-se ao referido princípio, criou uma nova modalidade de pactuação, com a previsão de admissibilidade do procedimento de jurisdição voluntária de homologação de acordo extrajudicial, conforme disposto nos arts. 855-B e seguintes da CLT.
Sob tal ângulo, não há nenhuma justificativa plausível para restrição do ajuizamento da produção antecipada de provas, devendo a parte requerente, se for o caso, expressamente informar qual o escopo da medida, com o enquadramento do requerimento na hipótese do art. 381, II, do CPC.
Além disso, conforme permissivo legal, poderá a parte, conforme já defendia, de lege ferenda, THEODORO JR., ainda na vigência do Código de Processo Civil de 1973, pretender a produção antecipada de provas para evitar demandas infundadas ou mal propostas.
Assim, exemplificativamente, um trabalhador, que entenda fazer jus ao recebimento de adicional de insalubridade em razão de ruído, poderia ingressar com a medida, pretendendo a realização da prova pericial e, em caso de não constatação, deixar de ajuizar a ação trabalhista com tal pedido. Não há impedimento legal para tal requerimento, sendo que, a prova pericial é obrigatória e, não possuindo o trabalhador conhecimentos técnicos para tanto, a sua realização poderia evitar o ajuizamento da ação, facilitar a autocomposição ou fornecer elementos a propositura da ação.
Destaque-se que a legislação não mais restringe o rol de medidas probatórias na produção antecipada de prova, razão pela qual se entende que devam ser admitidos todos os meios de prova em direito admitidos, sem nenhuma restrição, observando-se a disposição do art. 369 do CPC/15.
- EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS ANTECEDENTE
Com o fim da previsão específica da existência do processo cautelar de exibição de documentos, que possuía larga utilização no Processo do Trabalho, dúvidas passaram a existir sobre qual seria o procedimento adequado para obtenção dos documentos que se encontram em posse da parte contrária.
Neste aspecto, GARJARDONI elencou três propostas apresentadas doutrinariamente para solução do problema:
A primeira, o manejo da pretensão exibitória pela via cautelar antecedente (art. 305 a 310 do CPC/2015). Proposta a demanda antecedente, e obtida a exibição (inclusive de modo liminar), a parte decidiria, à luz do que foi visualizado, pela propositura ou não, nos mesmos autos do pedido já formulado, da pretensão principal (art. 308 CPC/2015), seguindo-se daí em diante o procedimento comum do art. 334 e ss do CPC/2015. (…)
A segunda opção seria a admissão de que, doravante, a exibitória antecedente é exercida pela via cognitiva, como ação de obrigação de fazer, na forma do art. 497 do CPC/2015. (…)
A terceira opção é a admissão de que, na nova formatação do direito à prova do CPC/2015, o exercício da pretensão probatória é autônomo ao direito material e, portanto, o manejo da exibitória antecedente se dará na forma de produção antecipada de provas, conforme art. 381 e ss. do CPC (que não mais condiciona o seu exercício à obtenção antecipada da prova, exclusivamente, oral e pericial)[v].
A primeira das soluções, conforme salientado por GAJARDONI, enfrenta o mesmo problema que é a inexistência de caráter efetivamente cautelar, sendo que “o seu exercício não deve obediência aos requisitos das tutelas de urgência previstos no art. 300 do CPC/2015 (probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo), tampouco o exercício da pretensão principal deve se dar no prazo de 30 dias da exibição do documento ou coisa (art. 808 do CPC/2015)”[vi].
Por sua vez, a segunda opção, embora viável, seria contrária à celeridade processual, uma vez que demandaria a necessidade de instauração de duplo procedimento de conhecimento, com o cumprimento de todos os prazos, audiências e recursos afetos a cada um dos processos e possibilidade de sucumbência.
Por fim, a terceira solução, que nos parece a mais adequada, uma vez que a exibição de documentos se amolda perfeitamente ao procedimento de produção antecipada de provas, inexistindo vedação legal para tanto.
Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça já admitiu tal formulação, segundo se extrai dos seguintes julgados:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO. AÇÃO AUTÔNOMA. PROCEDIMENTO COMUM. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA. INTERESSE E ADEQUAÇÃO. 1. Admite-se o ajuizamento de ação autônoma para a exibição de documento, com base nos arts. 381 e 396 e seguintes do CPC, ou até mesmo pelo procedimento comum, previsto nos arts. 318 e seguintes do CPC. Entendimento apoiado nos enunciados n. 119 e 129 da II Jornada de Direito Processual Civil. 2. Recurso especial provido. (STJ – REsp: 1774987 SP 2018/0228605-4, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 08/11/2018, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/11/2018)
“No Código de Processo Civil anterior, a exibição de documentos era veiculada por meio de medida cautelar, no entanto, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, a providência almejada pelo apelante deve ser deduzida nos termos dos artigos 381 a 383 cumulados com os artigos 396 a 404 de referido diploma legal. De fato, o Código de Processo Civil aboliu o procedimento cautelar autônomo para a exibição de documento ou coisa (arts. 844 e 845 do CPC/1973). Porém, ainda se revela possível a postulação da medida em caráter preparatório, observando-se o rito da produção antecipada da prova, previsto nos arts. 381 a 383, em conjunto, no que couber, com as disposições dos arts. 396 a 404, todos do CPC/2015. O art. 381, III, desse diploma permite a produção antecipada da prova nos casos em que o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação”. (STJ – AREsp: 1287279 SP 2018/0102297-1, Relator: Ministro LUIS FELIPE SAOMÃO, Data de Publicação: DJ 15/05/2018)
Entretanto, importante destacar que, embora aplicável o requerimento a exibição de documentos em sede de produção antecipada de provas, nos casos em que não haja a apresentação, o juiz não poderá admitir como verdadeiros os fatos que a parte pretendia provar (art. 400 do CPC), uma vez que há previsão específica de que, nas hipóteses do art. 381 do CPC, “o juiz não se pronunciará sobre a ocorrência ou a inocorrência do fato, nem sobre as respectivas consequências jurídicas” (art. 382, §2º, do CPC).
Assim, caso não ocorra a apresentação, as consequências jurídicas deverão ser analisadas na ação futura, se ajuizada. E, por sua vez, se apresentados os documentos neste novo processo, sem justificativa razoável para a não apresentação no procedimento anterior, deverá o Juiz, se entender pela ocorrência de motivos para tanto, reconhecer a litigância temerária da parte ou até mesmo a ocorrência de assédio processual.
Por fim, importante destacar que, enquanto não houver interpretação vinculante de que os valores atribuídos aos pedidos não limitam o montante da condenação, posição com a qual concordamos, subsistirá o interesse de agir para a obtenção de documentos para prévia liquidação dos pedidos, sob pena de violação do princípio da proteção da confiança legítima do jurisdicionado.
- CONCLUSÃO
Diante do exposto, entende-se que não há amparo para a restrição ao ajuizamento da produção antecipada de provas às hipóteses em que haja os requisitos de cautelaridade, devendo também ser amplamente admitida para facilitação da autocomposição ou para possibilitar o conhecimento dos fatos de interesse do requerente, estimulando ou coibindo o ajuizamento de ação, em cumprimento do escopo jurisdicional de pacificação social com justiça.
Além disso, viável a formulação do pedido de exibição antecedente de documentos na forma de produção antecipada de provas, conforme art. 381 e seguintes do CPC, sendo igualmente desnecessário o preenchimento do requisito cautelar, conforme entendimento que já vem sendo delineado pelo Superior Tribunal de Justiça.
[i] THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. II. 28ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 447.
[ii] THEODORO JR., Humberto. Op. Cit., p. 447.
[iii] THEODORO JR., Humberto. Op. Cit., p. 436.
[iv] SCHIABI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 10ª edição. São Paulo: LTr, 2016, p. 127.
[v] GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Ação de exibição antecedente no CPC/2015: Três soluções para solucionar o impasse. Artigo capturado da página http://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/novo-cpc/acao-de-exibicao-antecedente-no-cpc2015-28082017, em 19/01/2019, às 17h:39min.
[vi] GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Op. Cit.
Publicado em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/producao-antecipada-de-provas-e-exibicao-de-documentos-no-processo-do-trabalho-26012019