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A ISONOMIA REMUNERATÓRIA NA TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS E A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO DISPOSTO NO ARTIGO 4º-C, PARÁGRAFO 1º, DA LEI N. 6.019/74, INCLUÍDO PELA REFORMA TRABALHISTA
A lei n. 6.019, de 03 de janeiro de 1974, em sua redação originária, ao tratar do trabalho temporário, estabeleceu em seu artigo 12, alínea “a”, do direito ao recebimento de “remuneração equivalente à percebida pelos empregados de mesma categoria da empresa tomadora ou cliente calculados à base horária, garantida, em qualquer hipótese, a percepção do salário mínimo regional”.
Tal dispositivo legal, preceptivo do denominado “salário isonômico”, foi aprovado quando da vigência da Constituição de 1967, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 1, de 17.10.1969, durante a vigência do governo militar, que, por sua vez, estabelecia, no parágrafo 1º do seu art. 153, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. Será punido pela lei o preconceito de raça”.
Inclusive, o C. TST, em mais de uma oportunidade, acabava fazendo uso analógico do mencionado regramento para reconhecer o salário isonômico em outras oportunidades, conforme, por exemplo, o entendimento contido na OJ n. 383, de sua SBDI-I, in verbis:
“OJ-SDI1-383 TERCEIRIZAÇÃO. EMPREGADOS DA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS E DA TOMADORA. ISONOMIA. ART. 12, “A”, DA LEI Nº 6.019, DE 03.01.1974 (mantida) – Res. 175/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com ente da Administração Pública, não afastando, contudo, pelo princípio da isonomia, o direito dos empregados terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador dos serviços, desde que presente a igualdade de funções. Aplicação analógica do art. 12, “a”, da Lei nº 6.019, de 03.01.1974″.
Entretanto, a Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, ao versar sobre as hipóteses de terceirização de serviços, acabou dando tratamento diferenciado sobre o tema, estabelecendo, no art. 4º-C da Lei n. 6.019/1974, que:
“Art. 4º-C. São asseguradas aos empregados da empresa prestadora de serviços a que se refere o art. 4º-A desta Lei, quando e enquanto os serviços, que podem ser de qualquer uma das atividades da contratante, forem executados nas dependências da tomadora, as mesmas condições:
I – relativas a:
a) alimentação garantida aos empregados da contratante, quando oferecida em refeitórios;
b) direito de utilizar os serviços de transporte;
c) atendimento médico ou ambulatorial existente nas dependências da contratante ou local por ela designado;
d) treinamento adequado, fornecido pela contratada, quando a atividade o exigir.
II – sanitárias, de medidas de proteção à saúde e de segurança no trabalho e de instalações adequadas à prestação do serviço.
§ 1º Contratante e contratada poderão estabelecer, se assim entenderem, que os empregados da contratada farão jus a salário equivalente ao pago aos empregados da contratante, além de outros direitos não previstos neste artigo.
§ 2º Nos contratos que impliquem mobilização de empregados da contratada em número igual ou superior a 20% (vinte por cento) dos empregados da contratante, esta poderá disponibilizar aos empregados da contratada os serviços de alimentação e atendimento ambulatorial em outros locais apropriados e com igual padrão de atendimento, com vistas a manter o pleno funcionamento dos serviços existentes” (destaquei).
Percebe-se que, apesar da previsão de igualdade no tratamento entre terceirizados e empregados próprios da tomadora de serviços em determinados aspectos, a Lei n. 13.467/2017 estabeleceu que a remuneração poderia ser objeto de livre pactuação entre os contratantes (“se assim entenderem”).
O artigo 5º da Constituição Federal de 1998 tem a isonomia como princípio fundamental, prevendo que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (…)”.
Eis aí o grande questionamento:
– A isonomia é uma faculdade dos contratantes ou uma garantia constitucional?
– Teria a Lei n. 13.467/2017 o poder de derrogar o disposto no caput do artigo 5º da Constituição da República de 1988?
Aristóteles já defendia que isonomia seria tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.
Modernamente, a interpretação da isonomia ganha novos contornos, com a defesa da existência de igualdade material e não apenas formal, com a garantia da efetividade de proteção das minorias, levando-se em consideração fatores ditados pela realidade econômica, social e cultural.
A Declaração da Filadélfia, de 10 de Maio de 1944, que teve como proposta reafirmar os objetivos tradicionais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ramificando-se em duas novas direções: a centralidade dos direitos humanos à política social e a necessidade de planejamento econômico internacional, estabeleceu, em artigo I, “a”, que o trabalho não é uma mercadoria.
O Direito Civil moderno há muito tempo já vem tratando da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, sustentando a aplicação dos princípios constitucionais que protegem a pessoa humana nas relações entre particulares, com fundamento no art. 5º, § 1º, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual as normas que definem direitos fundamentais têm aplicação imediata.
Pensamos que, com muito mais razão, deve ser a aplicação do mencionado entendimento às relações trabalhistas que tem como princípio fundamental a proteção ao trabalhador.
Não seria concebível que dois trabalhadores, desempenhando a mesma jornada e submetidos às mesmas condições de trabalho, viessem a receber uma remuneração diferenciada, tão somente em razão do fato de um destes não ter sido contratado diretamente pela empresa titular da produção.
E, nesse contexto, entendemos que não existem motivos para que o trabalhador terceirizado que desempenhe suas atividades nas dependências da tomadora receba uma remuneração inferior do que aquela paga aos empregados da tomadora de serviços, sob pena de caracterização de odioso tratamento discriminatório e de mercantilização da mão-de-obra, sendo nítida a inconstitucionalidade do disposto no parágrafo 1º do art. 4º-C da Lei n. 6.019/74, incluído pela Lei n. 13.467/2017.